Todo mundo sabe e reconhece a importância de um médico. Mas, neste ano, você já parou para pensar o que seria de nós sem a coragem, o amor e a dedicação desses profissionais que, assim como outros da área da saúde, estiveram na linha de frente do combate à covid-19? Enquanto o mundo cumpria o […]
Todo mundo sabe e reconhece a importância de um médico. Mas, neste ano, você já parou para pensar o que seria de nós sem a coragem, o amor e a dedicação desses profissionais que, assim como outros da área da saúde, estiveram na linha de frente do combate à covid-19?
Enquanto o mundo cumpria o isolamento social recomendado pelas autoridades, eles deixaram suas casas e famílias para salvar vidas. E salvaram muitas. Ninguém vai esquecer as imagens que rodaram o mundo de médicos, com os rostos cobertos de ferimentos, provocados pelo uso prolongado de máscaras durante plantões intermináveis. Nesta missão, a maioria emendou dias de trabalho. Muitos ficaram doentes e, outros, nunca mais voltaram para casa.
Vida de médico é agitada. Entre atendimentos, há sempre um livro, um artigo ou um novo estudo. Sábados, domingos e feriados não existem na rotina deles. É uma constante entrega. É lidar com a vida e a morte ao mesmo tempo. É sorrir em cada alta hospitalar assinada e lamentar, profundamente, cada perda. Ninguém decide ser médico da noite para o dia. É a Medicina que escolhe seus futuros representantes. Foi assim com a médica pediatra Katia Moura Jermann, de 64 anos.
A história da servidora aposentada, com mais de três décadas dedicadas ao ofício, no município, começa aos quatro anos de idade, com a morte do pai. Osvaldo Augusto de Moura adquiriu hepatite B e cirrose após sucessivas transfusões de sangue. Ele nasceu com eritroblastose fetal, que é uma anemia hemolítica provocada por incompatibilidade de fator Rh entre mãe e filho. Na época, com a gravidade da doença, a avó paterna de Katia chegou a hipotecar a casa para comprar bolsas de sangue, mas Osvaldo não resistiu e morreu com apenas 25 anos de idade.
Katia passou a ser criada pela avó que, tempos depois, teve problemas renais e desenvolveu a mesma enfermidade do filho. A menina, então, acompanhou de perto a luta de dona Izilda de Almeida, que passava dias inteiros no hospital recebendo transfusões. A garota, que gostava de cuidar de bonecas e de outras crianças, prestava atenção em tudo o que acontecia naquele ambiente, mas, principalmente, na fragilidade dos pacientes. Era um olhar diferente, e o despertar de uma vocação.
Antes de completar 14 anos, Katia recebeu da avó uma carta deixada pelo pai. Nela, Osvaldo revelava o desejo de que a filha fosse doutora em Medicina. A carta, guardada até hoje, foi um divisor de águas na vida da adolescente. Com a morte da avó Izilda, Katia teve certeza de que queria ser médica.
A futura pediatra começou a trabalhar em um laboratório de exames médicos para ajudar a mãe com as despesas de casa. Prestou concurso para uma universidade particular, mas não tinha dinheiro para arcar com a mensalidade. O dono do laboratório, assistindo tamanho esforço, ajudou a pagar a faculdade da jovem até o quarto ano do curso de Medicina. O restante foi quitado com uma herança deixada pela avó paterna para financiar os estudos da neta.
Aos 21 anos, Katia Moura passou para um estágio no Hospital Municipal Miguel Couto, no Leblon, para atuar nos plantões de sábado à noite e às terças-feiras, durante o dia, sob a chefia do doutor Rui de Barros Barreto, uma referência na área da saúde. Nos anos seguintes, fez prova para residência médica e trabalhou em outras unidades. Em 1985, prestou concurso e tornou-se servidora do município do Rio. Dois anos depois, retornou à Neonatologia do Miguel Couto.
A médica relembra que, por coincidência, no início da carreira, precisou atender o caso grave de um bebê que corria risco de morte. A criança e a mãe sofriam do mesmo problema que vitimou o pai e a avó de Katia. Foi um atendimento difícil, entre muitas lágrimas e com a ajuda de uma colega plantonista, Liane Maria Breves. Felizmente, as duas vidas foram salvas.
Entre os desafios que a Medicina impõe, lidar com o emocional e separar o pessoal do profissional, é um deles. Katia foi casada com um psiquiatra e teve dois filhos. Hoje, têm três netos. Entre risos, ela confessa que ninguém na família pensa em exercer o ofício de médico. Mas destaca que sempre conseguiu separar as duas coisas.
“Você tem que amar aquilo que faz. Medicina é única, é ciumenta, quer você somente para ela. Você não tem tempo para nada, mas sempre se dá um jeito”, afirma.
Katia revela que a avó a ensinou a ter muita fé para encarar os percalços da vida, principalmente, no que diz respeito à morte. Há três anos, esse ensinamento foi repassado à neta, de 13, que perdeu a mãe, vítima de um câncer raro. Naquele momento, a médica viu a sua história se repetir e, para cuidar da neta, como fez dona Izilda, decidiu se aposentar.
Mas médico não para. O amor pela profissão sempre fala mais alto.
“É muito difícil para o médico parar de trabalhar. Ele pode até se afastar, mas sente falta. A obra-prima é o paciente. Estudar o ser humano é a coisa mais linda que existe! Você não sabe tudo, tem que estudar sempre, estar atento para aprender com as pessoas ao redor. Quem lucra é aquele que está doente”.
O retorno da doutora Katia ao lugar onde tudo começou, o Hospital Miguel Couto, aconteceu em 2019, após apelos constantes de colegas de profissão. A volta foi marcada por um caso gravíssimo de uma jovem em trabalho de parto, num plantão de domingo à noite. A situação parecia perdida. Mas enquanto há vida, há esperança, e o esforço de toda a equipe de médicos, enfermeiros e auxiliares salvou mais uma vida.
“Vida e morte andam juntas numa emergência, mas o poder da vida muda tudo, e restabelecer a vida é a função maior que a gente tem. O mérito é da equipe multidisciplinar, porque médico não trabalha sozinho”, destaca.
Em 2020, diante da pandemia do novo coronavírus, Katia viu muitos desses heróis morrerem. Perdeu quatro amigos médicos que estavam na linha de frente de combate à covid-19 e foram infectados. Ela conta que lembrou de tudo o que o pai e avó falavam, especialmente, quando diziam que cuidar do ser humano é fundamental.
“A Neonatologia não foi afetada, mas, no geral, foi um momento extremamente difícil e cansativo para a área da saúde”.
Doutora Katia não teve covid. Ela é do grupo de risco, mas segue com todos os cuidados necessários atendendo pacientes em seu consultório particular. Em dezembro, vai completar 65 anos. Ao encerrar a entrevista, a pediatra dos plantões agitados, deixa sua mensagem aos colegas de profissão nesta data dedicada a eles.
“Parabéns por exercer a Medicina, porque não é fácil. Persistam! Fôlego! Não desista! A saúde é a coisa mais importante da vida”, finaliza.
No Dia do Médico, o Portal do Servidor, também parabeniza e expressa toda gratidão aos Heróis da Saúde. Obrigado pelo empenho e solidariedade, principalmente, no momento mais delicado e tenso que o mundo enfrentou. Vocês foram e são fundamentais!