Quando a professora Ana Soares teve sua filha, em 2010, ela entendeu que junto da pequena Elis nascia também uma mãe. A educadora já havia experimentado uma sensação parecida anos antes, na primeira semana em que dava aula no Ciep Manoel da Costa, em Cosmos. Recém-chegada ao corpo docente da escola, em 2002, aos 18 anos, após concurso para Prefeitura, Ana ficou atônita ao ser chamada de professora.
– Caiu a minha ficha no quinto dia de aula. Era sexta-feira e estava naquele corredor comprido do Ciep, quando a menina da limpeza me chamou de longe: ‘Professora! Olha, já limpei a sua sala’. Apesar de eu ter dado aula a semana toda, o fato de ela ter me chamado de professora me fez sentir ali que eu nascia como educadora. Pensei: “Olha só a responsabilidade que eu tenho” – relata Ana, de 37 anos, cuja história inspiradora a faz ser uma das mulheres que fazem a cidade acontecer e uma das sete servidoras homenageadas em reportagens que serão publicadas até domingo (14/03).
E essa responsabilidade só foi crescendo com o passar do tempo. Depois de um ano no Ciep, a professora foi transferida para a escola municipal Dom João VI, em Higienópolis, onde está há 18 anos. Foi na unidade de ensino que Ana, que sempre sonhou em ser professora, se encontrou. Encantada com os livros, ela não via dificuldade em inseri-los em suas aulas, a ponto da diretora da escola convidá-la para ser a responsável pela sala de leitura. Totalmente à vontade na função, a educadora desenvolveu, há 11 anos, o “Lê comigo”, projeto que promove leitura literária dentro e fora da escola, que lhe rendeu o Prêmio Paulo Freire, da Alerj, em 2019, como destaque por ações motivadoras na educação do país. Ana também foi finalista, no mesmo ano, do prêmio nacional Educador Nota 10.
– Isso aconteceu por conta desta minha paixão pela literatura, mundo apresentado para mim por uma professora quando eu era estudante na rede municipal. Ao me tornar educadora, quis fazer o mesmo pelos meus alunos. Então, minha turma sempre se destacava com projetos desenvolvendo a leitura literária, nosso mural na sala era interativo, as crianças colocavam correspondências de poesias, livros… A diretora reparou que eu começava a aula sempre com uma história, às vezes, nem era contada por mim, mas por um aluno. E, assim, me chamou para assumir o sala de leitura. É onde me encontrei, onde me sinto muito à vontade.
Ao ver os estudantes e a comunidade escolar envolvidos no projeto, Ana entende como uma missão a sua persistência em se tornar uma educadora.
– Nunca pensei em ser outra coisa. Aquele sonho de ser professora que muitas crianças têm e é só uma brincadeira de infância, para mim sempre foi muito verdadeiro. Fiz a formação de professores no Colégio Estadual Júlia Kubitscheck, no Centro. E para minha alegria, no mesmo ano da minha formatura, em 2001, passei no concurso para Prefeitura, assumindo na função no ano seguinte.
Por ter estudado em escola pública municipal, a professora, que também fez Faculdade de Pedagogia, queria muito ensinar nesta rede. E não esconde o orgulho de ter conseguido o feito.
– O bom filho a casa torna. Estudei nas escolas municipais Barão de Macaúbas e Nereu Sampaio, as duas em Inhaúma, onde eu morava. Oriunda dessa rede, eu me formei professora para trabalhar nela. Foi a realização de um sonho – diz Ana, emocionada, sem esconder, no entanto, as dificuldades pelas quais passou no início da vida profissional: – Entrei em sala de aula e não foi fácil. A gente conta como se fosse um mar de rosas, mas não foi. Eu era uma aluna muito boa, mas quando me tornei professora, vi que tinha que começar do zero. O fato de eu saber não significava que sabia ensinar. Porque ali, na sala de aula, é o encontro de afetos, e muito mais do que saber uma matéria, é transmiti-la.
O prazer de ensinar
Se a pandemia chegou como um tsunami na vida escolar mundial, os educadores tiveram que reinventar uma maneira para que os estudantes não deixassem de aprender. O ensino remoto se mostrou essencial para levar os conteúdos escolares a milhões de alunos. E mesmo ensinando à distância, Ana se comove quando uma criança começa a ler e escrever suas primeiras palavras.
– A gente está fazendo isso pela urgência e pelo respeito ao momento. Estamos do outro lado da tela, mas é contagiante a alegria das crianças quando descobrem a leitura de uma palavra. Acho que é uma troca de saber e de sabores que alimenta as duas partes. Não tem essa coisa da professora que ensina. A gente aprende o tempo inteiro – afirma a professora.
– Um grande momento de ruptura e também de renascimento para essa criança é quando ela passa da fase que não sabe ler e nem escrever para aquela em que se apropria do significado desse código alfabético. É um dos ritos de passagem mais importantes na vida de todas as pessoas. Alfabetizar é entregar na mão do outro um poder muito precioso, poder do bem. E sentir que posso fazer parte desse processo sempre me deixou muito encantada.