Ainda na juventude, Micheli Magalhães foi vítima de violência doméstica por parte do namorado. Da pressão psicológica, evoluindo para as agressões físicas e ameaça de morte, ela não recebeu o tratamento adequado ao denunciar os abusos. Hoje, aos 34 anos, atuando na Ronda Maria da Penha, da Guarda Municipal do Rio de Janeiro, ela busca ajudar mulheres que sofrem nas mãos de homens violentos. Micheli é uma das sete profissionais do Município que estão tendo suas histórias contadas até este domingo (13/3) em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, comemorado na terça-feira (8/3).
– É uma enorme satisfação ajudar, ser uma agente de auxílio para mulheres em situação de risco. Ouvi-la, acolhê-la, direcioná-la em um momento em que ela está perdida, humilhada. Faço por elas o que não fizeram por mim. Dou o suporte para que elas saibam que não estão sozinhas – disse a GM, que integra a Ronda Maria da Penha desde sua criação, no dia 12 de março do ano passado.
Micheli sempre teve o desejo de trabalhar na área de segurança. Fez concurso em 2012, mas só foi chamada em 2017. Sua turma se formou no ano seguinte e ela foi selecionada para atuar no grupamento de trânsito da Guarda Municipal. Mas ficou pouco tempo na rua, sendo deslocada para o setor administrativo. Era uma área em que se sentia confortável, que dominava, mas ela queria algo mais.
Foi então que surgiu a Ronda Maria da Penha, grupo criado para atuar diretamente na rede de proteção às mulheres vítimas de violência. Assim que soube da novidade, Micheli não titubeou. A GM, que já pensava em apresentar um projeto nesse sentido, se inscreveu para integrar o novo grupo. Ela não cabia em tanta felicidade quando foi selecionada para fazer o curso.
– O que a Ronda Maria da Penha enfrenta no dia a dia faz parte da minha história e sabia que trabalhar nela acrescentaria muito na minha vida profissional e pessoal. O curso durou três meses, depois fiz um estágio, conheci os órgãos que atuam nessa área e assisti a diversas palestras. Fiquei mais feliz ainda quando fui selecionada para integrar o grupo.
Mas a felicidade pela seleção foi logo colocada à prova em seu primeiro caso na Ronda Maria da Penha. Ao se defrontar com um relato que reverberava na sua história pessoal, Micheli sentiu seu psicológico ser abalado. Tudo o que ela havia enfrentado veio à tona em um turbilhão de emoções.
– Meu primeiro caso foi muito marcante. Estava ouvindo a história de uma mulher que estava numa posição em que eu já tinha estado. Pegar o costume de ouvir a história e não se envolver tanto demandou tempo. Esses primeiros atendimentos foram bem difíceis para mim.
Na Ronda Maria da Penha, os grupos de patrulhamento são formados, geralmente, por dois homens e uma mulher. A equipe tem a missão de pegar as medidas protetivas emitidas pelo Poder Judiciário e fazer um acompanhamento. Mas também, caso uma ocorrência esteja em andamento durante uma ronda, o grupo pode intervir e dar todo o suporte necessário à vítima.
– A mulher da Ronda fica com a missão de ouvir a pessoa agredida, pois, na maioria das vezes, ela não se sente à vontade para fazer o relato para outro homem. Enquanto eu faço esse acolhimento, meus parceiros fazem o policiamento nas proximidades ou do lado de fora de uma residência. Eles me dão o suporte para que o atendimento ocorra de forma segura – contou Micheli, frisando também que os guardas municipais procuram ter extremo cuidado em locais com crianças.
As agressões
Há 15 anos, Micheli começou um namoro e, depois de um tempo, foi morar com seu companheiro. Ainda nova, não tinha a noção de como seria ter um relacionamento. O namorado tinha histórico de violência, mas ela achava que isso nunca iria acontecer naquela relação.
Tudo começou com a violência psicológica. O namorado dizia que somente ele podia fazê-la feliz, que ela não conseguiria nada melhor do que ele. O rapaz a seguia até o colégio, na rua. Foi então que começaram as agressões físicas e verbais.
– Numa festa, ele começou a me empurrar e xingar. Quase caí no chão. Em casa, ele me arranhou do pescoço até o peito. Foi traumatizante, nunca tinha passado por nada igual. Aí vieram a vergonha e o medo. Vi que ficariam marcas no meu corpo e passei a ter de esconder para minha família não ver.
A relação durou quatro anos. Ela sempre perdoava, achava que ele ia mudar, pois, após o término do chamado ciclo da violência doméstica, o namorado chorava, pedia desculpa e dizia que aquilo nunca mais ia se repetir. Mas o ciclo sempre reiniciava. Um dia, Micheli foi embora. E foi aí que vieram as ameaças de morte.
– Ele ligou para a minha mãe e disse para ela se despedir de mim porque ele ia me matar no trabalho. Fui para a casa de uma amiga, fiquei dois dias por lá e foi quando decidi fazer a denúncia.
Micheli lembra que não recebeu o tratamento adequado. Sentiu-se sozinha, desamparada. Mas a denúncia surtiu o efeito desejado e seu ex-namorado parou de procurá-la.
Na Ronda Maria da Penha, a GM busca, justamente, evitar que outras mulheres enfrentem drama semelhante.
– Eu pego uma mulher que está assustada e sozinha e a acompanho até a delegacia. Ajudo no registro. Depois, a levamos para casa na nossa viatura. Faço ela se sentir segura em casa, ficamos na porta, fazemos um patrulhamento na área. O importante é dar o suporte para que ela, em nenhum momento, se sinta sozinha.
A Ronda Maria da Penha
A Ronda Maria da Penha da GM-Rio atua prioritariamente na fiscalização do cumprimento das medidas protetivas e restritivas expedidas pela Justiça para defender mulheres vítimas de violência doméstica, evitando a revitimização. Contudo, durante o patrulhamento de rotina, os guardas municipais também podem intervir em situações flagrantes, atuando assim nas duas frentes de enfrentamento à violência contra a mulher.
O trabalho é realizado em parceria com o Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ) e conta com guardas municipais capacitados para atuar especificamente neste tipo de ocorrência. As viaturas são adesivadas com faixas na cor lilás e a logomarca do programa. Ao todo, são 55 guardas municipais na Ronda Maria da Penha.
Desde sua criação, até o dia 5 deste mês, já foram registradas 6.202 ações de acolhimento (visitas, ligações e acompanhamento em geral) e 910 mulheres assistidas. Também foram realizadas 19 prisões.
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